A competência exclusiva da UE na "conservação dos recursos biológicos
do mar, no âmbito da política comum de pescas" e a intenção expressa da
Comissão Europeia de introduzir um sistema de gestão baseado no
comércio dos direitos da pesca, é uma questão da maior importância, que
vai ao cerne da soberania dos Estados e da gestão e propriedade da
exploração. Em Nota de Imprensa, os deputados do PCP ao PE rejeitam
frontalmente estas questões.
Nota do Gabinete de Imprensa dos Deputados do PCP ao PE
Na
última sessão plenária do Parlamento Europeu foi aprovado um relatório
sobre os “instrumentos de gestão baseados nos direitos da pesca”, como
contributo do PE para o debate que a Comissão Europeia lançou sobre
este importante tema para o presente e futuro do sector das pescas,
nomeadamente, para Portugal.
No debate realizado no PE, a Comissão Europeia anunciou que, a médio
prazo, a gestão baseada nos direitos de pesca será um dos elementos a
ter em conta na próxima revisão da Política Comum de Pescas (PCP) da UE.
A possibilidade da introdução da transacção de direitos de pesca já
havia sido equacionada pela Comissão Europeia aquando da anterior
reforma da PCP (2002), não chegando a ser concretizada, dada a
resistência do sector das pescas em muitos dos Estados-Membros da UE.
No entanto, a intervenção do Comissário Borg, durante o debate agora
realizado, clarificou as intenções da Comissão quanto ao futuro da
Política Comum de Pescas: a modificação do seu sistema de gestão,
introduzindo, de forma faseada, um sistema comunitário baseado em
direitos de pesca.
A Comissão Europeia define a gestão baseada nos direitos de pesca como
"um sistema formalizado de atribuição de direitos individuais de
pesca". Tal sistema seria introduzido, alargando, num primeiro momento,
a aplicação da gestão baseada em direitos de pesca, mesmo que apenas a
uma parte das frotas, no maior número de Estados-Membros, para,
posteriormente, criar um mercado único de direitos de pesca ao nível da
UE, eventualmente, até à sua transacção em bolsa.
As consequências da introdução deste sistema estão bem identificadas,
inclusive pela própria Comissão: "a compra de direitos em grande
escala, o que resultará numa concentração em termos de propriedade das
quotas, repartição geográfica das actividades da pesca e composição da
frota", ou seja:
- A concentração dos direitos de pesca nos grandes armadores, com maior poder económico, ao nível nacional e ao nível da UE;
- A relocalização dos direitos de pesca, ao nível nacional e ao nível da UE;
- A colocação em causa do princípio da "estabilidade relativa" e do
seu papel na manutenção da viabilidade das já frágeis comunidades
piscatórias dependentes do sector;
- O aumento dos custos adicionais envolvidos, que constituiriam
desincentivos aos investimentos em embarcações, nas artes de pesca, na
segurança e nas condições de trabalho;
- A apropriação privada de um bem público.
A resposta da Comissão Europeia a estas preocupações, reduz-se à
admissão de que "(...) seja adoptada uma abordagem prudente", mas que
"(...) qualquer mecanismo criado para limitar os efeitos negativos
(...), deverá ser compatível com o mercado único e com as regras
comunitárias em matéria de concorrência".
Face a tal cenário, a Comissão Europeia ainda se interroga porque é que
"Por razões de costume e tradição, alguns Estados-membros questionam a
possibilidade de os direitos de acesso a um recurso público serem
cedidos a interesses privados."?!
Em Portugal, existem sistemas de gestão baseados na atribuição de
possibilidades de pesca que não têm por base qualquer pagamento,
admitindo-se a transferência de quotas entre navios desde que
previamente autorizada pelas entidades públicas competentes. Aliás,
como é salientado, na própria PCP é estabelecido que “os
Estados-Membros devem decidir em relação aos navios que arvoram o seu
pavilhão do método de repartição das possibilidades de pesca que lhe
estão atribuídas”.
Face à difícil situação socio-económica do sector das pescas,
resultante, nomeadamente, do aumento exponencial dos custos de produção
(como o preço dos combustíveis) e da manutenção, ou mesmo redução, do
preço ao produtor, a Comissão Europeia faz “orelhas moucas” e “assobia
para o lado”, lavando as mãos como Pilatos de uma situação pela qual
tem - a par com o Conselho da UE e o PE -, profundas responsabilidades
no âmbito da Política Comum de Pescas, para agora vir defender, uma vez
mais a coberto da sustentabilidade dos recursos, um mecanismo de gestão
baseado nos direitos de pesca, que apenas servirá para concentrar ainda
mais o sector ao nível da UE.
Pela soberania nacional sobre este bem público
A Comissão Europeia, antecipando a ratificação do agora denominado
tratado “de Lisboa", começa a tomar iniciativas que vão ao encontro dos
objectivos políticos nele consagrados. Proposta de tratado que,
recuperando o previsto na rejeitada "constituição europeia", alarga os
domínios de competência exclusiva da "União”, onde se inclui, a
"conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política
comum de pescas".
A atribuição de tal competência exclusiva às instituições da UE,
representaria uma afronta à Constituição da República Portuguesa que,
no seu artigo 5º estabelece que: "A lei define a extensão e o limite
das águas territoriais, a zona económica exclusiva e os direitos de
Portugal aos fundos marinhos contíguos", acrescentando que, “O Estado
não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de
soberania que sobre ele exerce"!
A competência exclusiva da UE neste âmbito e a intenção expressa da
Comissão Europeia de introduzir um sistema de gestão baseado no
comércio dos direitos da pesca, é uma questão da maior importância, que
vai ao cerne da soberania dos Estados e da gestão e propriedade da
exploração de um recurso natural, isto é: a cedência a interesses
privados dos direitos de acesso à exploração de um bem público.
Atribuição de competências e intenção que só podem ter a nossa mais
frontal rejeição (!), em defesa da soberania nacional, do sector das
pescas, da pequena pesca costeira e artesanal, dos pescadores e das
comunidades piscatórias em Portugal.
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